Jornalista Lucélia Muniz
Ubuntu Notícias, 23 de fevereiro de 2025
@luceliamuniz_09 @ubuntunoticias @cavalcante.mg
E aqui no Ubuntu Notícias temos a alegria
de compartilhar com vocês, o depoimento da Psicóloga Maria Gerlane Cavalcante,
natural do município de Campos Sales-CE.
Vamos ao depoimento?
Com a palavra a Psicóloga Gerlane Cavalcante:
Desde cedo tive um
encantamento por aprender, conhecer e entender as coisas. Desde cedo ouvi
muitas histórias da família, da nossa origem, caminhos e dificuldades. E em
meio aos obstáculos e desigualdades, durante minha vida inteira fui muito
incentivada por minha família. Mais que possibilidade de ascensão, os estudos,
o o à educação, têm para mim, o sentido de direito humano, de sonho e de
esperança e um suposto privilégio em relação às gerações anteriores.
Sou filha de um agricultor,
Albino Alves Cavalcante, que amava a vida rural, o cultivo das plantas e o
cuidado com os animais, mas que faleceu em pouco tempo de convívio. Durante os
cinco anos que estivemos juntos, presenciei um homem muito trabalhador, que nos
ensinou sobre trabalho digno e ético. Tendo chegado a cursar até o ensino
fundamental I, pedia nossa dedicação aos estudos.
Minha mãe, Antonia
Maria Cavalcante, também agricultora e com muitas habilidades com o artesanato,
fez todo o possível para que seus filhos alcançassem possibilidades e os
próprios sonhos. Ainda que não entenda muito de graduações e termos do tipo,
sempre acompanha a mim e a meu irmão, para que tenhamos condições de
conquistarmos pelo o nosso esforço.
Tive a honra de
crescer com a família ampliada, que nos ofereceram e e apoio,
principalmente na situação de monoparentalidade. Minhas tias, que vêm de
carreira de magistério, e meu tio, impulsionavam-se nos estudos de diversa
formas, desde o auxílio das atividades de casa, quando eu me sentia muito insegura
para realizar sozinha, me levando à escola ou custeando minha formação.
Desde novinha, eu me
encantava com minhas professoras, grandes inspirações, tanto que se tornou um dos
meus sonhos. Às vezes me frustrava a ideia de “encerrar” os estudos na
faculdade (graduação), já que era o que eu conhecia. E desde cedo eu fazia
planos com a minha vida estudantil e profissional. Aos nove anos eu tive a
certeza de querer cursar o ensino médio na mesma escola que meu irmão. Eu irava
o envolvimento dele, a atuação como presidente do grêmio estudantil e o que
aquelas experiências proporcionavam.
Lembro-me de quando
eu descobrir que existem “graduação de níveis”, lembro de ver em um cartaz que
depois da graduação tem mestrado, doutorado, etc. Meus olhos brilhavam quando
viam essas coisas e o coração pulsava diferente!
Planejando a vida e
sonhando com as circunstâncias, nas nossas contas, quando eu saísse do ensino
médio, Campos Sales ofereceria estrutura, e uma diversidade de cursos universitários.
Crescendo e
aprendendo eu ia me encantando com muita coisa, cada vez mais amava o
conhecimento! E nisso, era muito difícil escolher uma só área! Tudo que eu
sabia era a vontade de estudar muito e sempre...
No ensino médio,
realizei o sonho de estudar na então Escola de Ensino Médio de Campos Sales
(querido Grupinho), onde todas as possibilidades se amplificaram. Vivi diversas
experiências de iniciação à pesquisa científica, de aprimoramento de
habilidades e um novo mundo se abriu.
Recebi muitos
incentivos e informações sobre ensino superior e políticas públicas de o à
educação. E enquanto eu decidia minha profissão fui me informando sobre como
fazer dar certo ingressar no ensino superior. Com alguns amigos, planejávamos
dividir qualquer cômodo em uma “cidade grande”, visando reduzir os gastos.
A Psicologia em si
entrou na minha vida no ensino fundamental quando um professor apresentou
perspectivas e metodologias diferenciadas em sala de aula... me encantava a ideia
de olhar a singularidade dos estudantes no processo educativo.
E embora outras
áreas ainda me chamem a atenção, além de sempre irar a área da educação,
processos de desenvolvimento e aprendizagem, parentalidade, relações entre pais
e filhos, saúde e qualidade de vida, a psicologia foi e tem sido uma decisão
muito acertada.
Por meio do Enem
pude procurar a universidade pública mais próxima pelo SISU e conquistar bolsa
integral em uma universidade privada pelo PROUNI. Conhecendo o que já havia
pesquisado e segundo os informes dos professores, pelas minhas condições, a
primeira opção seria a mais acertada.
Depois de viver
todos os meus 17 anos em Campos Sales-CE, encarei o desafio de ir a uma nova
cidade, em um outro estado, enfrentando o desconhecido. Graduei-me em
Psicologia pela Universidade Federal do Vale do São Francisco no dia 03 de
julho de 2024, em Petrolina-PE, a “terra dos impossíveis”, graças a muitas
orações, sacrifícios, o apoio de muita gente e as políticas públicas.
Tenho orgulho de
dizer que sou fruto da educação pública cearense e das políticas
institucionais: contei com um notebook por meio da campanha “Estudar Vale a
Pena”, a bolsa do Programa AvanCE, as políticas de assistência estudantil como
Restaurante Universitário, fundamentais para minha permanência em Petrolina e a
Carteira IdJovem que me permitia retornar para casa nos recessos acadêmicos.
Foi por meio da
psicologia que aprendi que tudo isso não foram privilégios, embora minha
realidade inicial quisesse acreditar, mas garantia de direitos que aos meus
anteados foram negados. E entre as políticas não institucionais, mas que
foram fundamentais, são as pessoas que me deram e, seja nas palavras de
incentivo, no interesse genuíno em perguntar sobre a minha jornada, ou com a ajuda
de um café, ovos caipiras, goma, farinha, que com carinho eu transportava.
Em Petrolina tive a
honra de encontrar muitas pessoas também importantes e fonte de apoio, amigos
que fiz e nova família. Ingressei como educadora voluntária no Cursinho Popular
Paulo Freire, entre as muitas atividades extracurriculares que me envolvi. Eu
precisava “espalhar” a educação como transformadora de vidas.
Aos 23 de julho de 2024
aconteceu a Solenidade Oficial de Colação de Grau, em que pude contar com a
presença de familiares, amigos, professores, educandos. Tive a imensa honra de
receber a Láurea Acadêmica da turma XXIX de Psicologia, em nome de todos
aqueles que lutaram por este sonho comigo.
ava um filme das
dificuldades, da mudança de cidade, do desconhecido, da saudade de casa, dos
desafios durante a pandemia e eu estava ali, uma cadeira e um documento com meu
nome. Embora seja míope, de cima do palco vi uma cena linda de muita gente chorando,
comemorando e me aplaudindo de pé. Lá faltava muita gente, alguns in memoriam, mas todos estavam comigo em
meu coração e em minha mente.
Por meio do estágio
da Gerência Regional de Educação do Médio São Francisco conheci o contexto que
se tornou meu primeiro emprego formal, como psicóloga educacional da Secretaria
da Educação de Afrânio-PE, cidade muito acolhedora, terra do doce de leite.
A cada dia a saudade
de casa se amplia e o desejo de voltar para perto dos meus vínculos familiares
é enorme, mas como sempre me impulsionaram a correr atrás de meus sonhos, sigo a minha
jornada.
Neste ano, no meu
aniversário, comemoramos minha matrícula no Programa de Mestrado em Psicologia
da Universidade Federal do Vale do São Francisco. Recordei-me de quando
descobri que mestrado existia, do quão parecia distante, mas também os
quilômetros percorridos entre Campos Sales-CE e Petrolina-PE, mediados pelo
transporte em Crato-CE (pela ausência de o) pareciam muito distantes.
Com visão crítica,
aprendi a não romantizar as dificuldades como se costuma fazer, principalmente
quando se refere a grupos específicos. Eu não tive privilégios, apenas ei
meus direitos e conquistei um sonho. Mas continuo a sonhar muito alto, com o
mesmo brilho nos olhos da infância, que mais distâncias, geográficas ou não,
sejam reduzidas.
E vivi a experiência
da educação me transformar como pessoa e como cidadã. As distâncias, as
“impossibilidades” podem ser vencidas com determinação, mas também com muitas
mãos e e. Fica o meu desejo que o nosso interior cearense se desenvolva
no mesmo ritmo.
Ressalto meus
agradecimentos a todas as pessoas que contribuíram comigo, familiares, amigos,
professores, demais profissionais da educação e educandos.